Depois da Lei
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Há dificuldades peculiares associadas a qualquer filosofia do direito, em grande parte devidas à inevitabilidade de que qualquer tentativa de uma avaliação transcendental sobre a lei se descobre encenando uma paródia do processo judicial. Desde o julgamento de Sócrates (se não já com o fragmento de Anaximandro), a filosofia tem afirmado sua vocação apenas na medida em que fantasiou um tribunal supremo: uma corte de apelação derradeira, ou forma ideal de justiça. A vindicação do Socratismo é inextricável do rejulgamento, tanto de absolvição quanto de contra-litígio, o fórum do qual permanece a instável questão da metafísica. Quanto à sua lei ‘própria’ ou ‘interna’, a lógica nunca foi nada além de uma destilação do processo jurídico, a forma abstrata de inclusão ou não inclusão de um caso sob uma lei (espécie sob gênero), que tem sido predominantemente tematizada como juízo, embora a linguagem de proposições tenha, mais recentemente, ganho proeminência. A filosofia e a autoridade judicial encontram-se ligadas entre si em um discurso sobre a legitimação real. Aparências (casos) devem ser julgados a partir da perspectiva de uma razão genérica em um nível superior de realidade, identificado, no período pré-moderno, com uma idealidade cujo termo final é o intelecto de Deus. Aristóteles consuma um sentido categórico – acusatório – de forma, e a colisão agostiniana do platonismo com a escatologia judaico-cristã e com o logos cristão apenas arraigou esta cumplicidade.
Este capítulo se divide em dois episódios, ou intersecções, do complexo jurídico-filosófico ocidental, em uma tentativa de dramatizar a tendência mais ampla deste processo: aquela do colapso em direção à imanência, ou evaporação do transcendental. Não há nada particularmente oculto ou misterioso sobre tal tendência, uma vez que ela encontra sua fase mais acelerada em nossa mercantilização contemporânea das transações sociais: a transição faseada da autorização, ou legitimidade, Geopolítica tradicional para uma eficiência impessoal e ciberneticamente automatizada. A ‘forma’ da mercadoria é uma matriz transmutacional e não uma ordem estática (sincrônica) de liberalismo econômico. Na medida em que o capital ainda é interpretado de forma platônica – de acordo com critérios de legitimação – há um evidente paradoxo, ou contradição emergente, neste processo, um paradoxo cujo desaparecimento é sintetizado pela figura de Georges Bataille, que oferece uma descrição operacional da lei. Bataille não mais oferece um procedimento jurídico de qualquer tipo, mas apenas uma tática de recodificação que converge para o exterior da história humana (onde tudo funciona sem respeito ou legitimidade).
Aqueles que buscam defender a administração humana dos processos sociais (onde o ‘homem’ especulativamente se une ao Deus do monoteísmo antropomórfico) não podem ter nenhum projeto além de restaurar uma história cujo sentido ideal se reconectaria com o significado do Ocidente, tais como aqueles proferidos por Platão, Aquinas e Hegel. Tal restauração é uma aspiração modernista que me parece inacreditável. Arrastar Platão e Bataille ante o tribunal da filosofia deixou de ser qualquer coisa além de um entretenimento, ainda assim eu dedico esse texto aos poucos animais políticos restantes no planeta Terra, como um experimento na tenacidade da filosofia, ou como um gracejo.
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